Mais críticas sobre o Salão do Livro estão surgindo na imprensa. Na segunda-feira, 29, o jornal O ESTADO abordou o assunto com este texto de Cecília Santos. Na quarta, 31, mais dois artigos foram publicados no Jornal do Tocantins, um de Melck Aquino e outro de Marcelo Silva, ambos jornalistas.
Sequenciando o debate virtual iniciado no dia 25, o alm@nárquica repercute o artigo do jornalista Marcelo Silva. Com humor e desenvoltura, ele critica o evento e vai fundo na desconstrução da idéia equivocada que a Secretaria da Educação tem do termo ‘celebridade’.
Oscar Schmidt é o meu herói
MARCELO SILVA
Herói é aquele que consegue proezas que, para nós, pebas mortais, são impensáveis. Por isso, Oscar Schimidt é o meu mais novo herói. Com poucas - e rudes - palavras ele conseguiu algo que estamos tentando convencer, com base no diálogo, há cinco anos, sem que sequer nos tivessem dado ouvidos. Nós, a que me refiro, é um grupo de artistas e consumidores de cultura que sempre foi contra a presença de estrelas da televisão no Salão do Livro. E Oscar conseguiu. Com a sua palestra de auto-ajuda sobre como superar desafios, ele convenceu a meia dúzia de deslumbrados da Secretaria da Educação de que não compensa investir neste tipo de atração em um evento que tem a pretensão de ser fomentador da cultura local.
Mas não pensem que foi fácil. Oscar teve que falar grosso, usar palavrões, ferir na alma, mexer com os brios dos que enfrentaram uma fila quilométrica para ouvir sua palestra, preparada no saguão do aeroporto. Outros rostos conhecidos da TV, antes dele, tentaram, mas não conseguiram. Por mais que desagradassem e frustrassem expectativas, o Salão do Livro continuou investindo nosso dinheiro nestas palestras caça-níqueis, com medo de que escritores renomados, poetas e roteiristas entediassem o público com a profundidade de seu conteúdo.
Não foram poucas as críticas a este comportamento dos organizadores do Salão do Livro, desde a sua criação. Mas eles são soberanos. Não existe uma curadoria, nem a contratação de uma consultoria especializada, para definir as atrações. É o gosto pessoal e o conhecimento televisivo da comissão organizadora que define quais atrações vão entrar. Quando uma atração agrada, ela é repetida no ano seguinte. O negócio é encher linguiça, rechear o folder da programação, esgotar a verba, mesmo sem critérios. O importante é ser “nacional”. Não precisa ser reconhecido, basta ser “conhecido”. E aí entra repórter de TV, astronauta, esportista, sexólogo, psicólogo, alpinistas, todos classificados como “escritores”, fazendo do Salão do Livro um evento de entretenimento - e não de cultura, seja ela nacional ou local.
Mas parece que Oscar Schmidt encerrou este ciclo. Por isso ele merece honras de herói. A grosseria com que ele tratou a nossa gente revelou a forma como estas celebridades enxergam o Salão do Livro - a cada ano menos reconhecido como um evento literário, a ponto de não merecer uma linha sequer da imprensa especializada nacional. Ao contrário de festas da literatura com menor investimento, como a Flip de Parati (RJ) e a de Porto de Galinhas (PE).
A grande maioria das celebridades televisivas que por aqui passam trata mal as equipes de apoio que trabalham no salão, despreza a imprensa local e não tem a menor paciência com o público. Eles costumam dobrar o valor do cachê para virem a um estado nortista, fazem exigências absurdas e permanecem na cidade apenas o tempo necessário para as combinações de voo. Têm pouco a ensinar e se recusam a aprender alguma coisa sobre o nosso povo. É como se estivessem fazendo turismo social na periferia. Andam com seguranças, não circulam pelos estandes, não se sentem numa feira do livro. Pensam estar num baile funk.
Em suas próximas palestras para operários em fábricas de automóveis, Oscar vai poder bradar para seu público e dizer que, além dos títulos no basquete, ele ostenta o título de herói tocantinense, por ter mudado a história do Salão do Livro, provocando uma reflexão nos organizadores e no público sobre a verdadeira essência de um evento que tem como objetivo estimular a leitura. Espero que os gritos de Oscar não tenham sido em vão e que ecoem na cabeça de todos, como ecoaram o nome do governador e do secretário da Educação, repetidos milhões de vezes, durante dez dias, no sistema de som do evento.
E-mail: marcelosilvapalmas@gmail.com
11 comentários:
O ARTIGO DE MELCK AQUINO
PRECISAMOS REPENSAR O SALÃO DO LIVRO
Melck Aquino
Terminada a sexta edição do Salão do Livro quero aqui abordar alguns aspectos que julgo como necessários para contribuir para o aperfeiçoamento deste importante evento, já consolidado e, inquestionavelmente essencial. E pretendo não me limitar ao aspecto financeiro, apesar de também me esforçar para entender o motivo de se investir (veja que não uso o verbo gastar) R$ 8,6 milhões para montar uma estrutura na Praça dos Girassóis enquanto o Centro de Convenções carece de pouco mais de R$ 2,5 milhões para ser concluído, segundo estimativas da Prefeitura da Palmas.
Inicialmente o formato e a data do Salão me incomodaram. É um formato de feira de livreiros e não de editoras, como ocorre em outras localidades do País. Dar incentivos para editoras aqui montarem seus estandes seria também um erro. Portanto, o que se precisa é rever a política de cobrança dos estandes e de incidência de impostos durante a feira para que os livreiros, em particular os aqui instalados, possam oferecer descontos reais. Assim como é essencial que o salão volte para maio. Em março, ainda estamos pagando as férias, as festividades de carnaval, os gastos com as escolas das crianças e o IPTU. E, no caso do Tocantins, jogar para o final de março foi uma pancada pior ainda, já que os salários não possuem essa sobrevida.
Incomodou-me igualmente a preocupação exacerbada com a quantidade de eventos em detrimento à qualidade e acessibilidade. Está certo... Vou admitir: do ponto de vista da acessibilidade houve uma melhora significativa com o fim dos convites, mas o modelo de confinamento para os grandes espetáculos deve ser alterado, dando acesso a um maior número de participantes. Um pecado ver tanta gente privada de ver espetáculos gratuitos como o de Almir Sater, Fagner, Dominguinhos e da banda Rosa de Saron.
Esta questão poderia ser minimizada se houvesse o envolvimento de quem é gestora da política de cultura no Estado: a Fundação Cultural do Tocantins (FCT). Ninguém quer usurpar o papel de vanguarda da Secretaria da Educação (Seduc) na condução do evento, mas a colaboração entre órgãos governamentais seria bem vinda neste caso. Os técnicos da FCT, com todas dificuldades de quem vive com orçamento anual de R$ 6 milhões (enquanto que um evento como o salão consome em 10 dias mais de R$ 8 milhões), têm se preparado ao longo dos anos para lidar com a gestão das manifestações artístico-culturais. Isto precisa ser melhor aproveitado. Até porque, eles também encontrariam uma forma de envolver os artistas plásticos locais na humanização dos espaços, frios pela refrigeração eficiente, e mais ainda pela estética de galpão industrial. Para completar, autoridades lotaram as três primeiras filas do auditório quando das atrações nacionais, mas não prestigiaram as duas bandas regionais escolhidas para ocuparem o palco principal nesta sexta edição: Impacto Latino e Véiétu. A banda Véiétu, por exemplo, mesmo sem nenhuma autoridade presente, colocou mais gente no auditório do que o show de Edson Cordeiro (belíssimo espetáculo, é bom que se diga), mas mesmo assim não foi merecedora de algum tipo de deferência. É aquela velha história do dito popular: “Santo de casa não faz milagre”.
Mas torço mesmo é para que venham outras edições do Salão do Livro. Independente de quem será o governador a partir de janeiro do próximo ano, uma coisa é certa: a realização do Salão do Livro já é parte do nosso calendário de eventos. Precisa de aperfeiçoamento? Claro que sim. Mas não podemos nem imaginar que alguém, em sã consciência, possa pensar um dia em descontinuá-lo.
Depois do ‘pebas mortais’ do Marcelo Silva, só me resta dizer que seu artigo é féla, pai d’égua, porreta, danado de bom.
Por falar em Oscar, um craque nas quadras mas um grosso e apelão em auditórios, seria interessante divulgarem quanto ele levou dos cofres tocantinenses.
Quanto menos transparência em relação à aplicação dos R$ 8,6 milhões gastos com o Salão do Livro, muito mais dúvidas e suspeitas a Secretaria da Educação vai despertar por parte da população.
Em toda esta discussão, uma coisa está mais que evidente: o Governo não pode continuar realizando o evento à revelia da opinião pública. Da forma como vem sendo promovido, o tal "circo" do livro tem gerado mais reclamações que elogios.
Só jornalistas inexperientes e/ou interesseiros fazem matérias superficiais e elogiosas, geralmente reproduzindo falas de secretários e informações oficiais de releases das secom's do Governo.
Só assessores de imprensa de órgãos estatais escrevem artigos defendendo um salão do livro realizado em estrutura temporária, no período chuvoso, com atrações de "celebridades" merecedoras de escrachos a la Marcelo Silva e com a participação de livrarias em vez de editoras.
Os governistas não podem neste caso querer tampar o sol com peneira; fatos são como luz na escuridão. O grita foi geral e continua sendo.
Para mim está muito claro que o que está em discussão não é a continuidade do salão do livro, nem a sua importância como feira literária e como evento que proporciona ao povo oportunidade de entretenimento cultural.
O que se questiona é a forma equivocada com que a Secretaria da Educação vem realizando o evento há anos. Isto é o que está mais que evidente para mim e, creio, para a maioria dos que têm se manifestado nos comentários.
Neste ponto, fecho questão e também engrosso o coro dos descontentes:
Oscar Schmidt é o meu herói!!!
Precisamos repensar o Salão do Livro!!!
Chega de "circo" do livro!!!
Muito bom!
"Não foram poucas as críticas a este comportamento dos organizadores do Salão do Livro, desde a sua criação. Mas eles são soberanos. Não existe uma curadoria, nem a contratação de uma consultoria especializada, para definir as atrações. É o gosto pessoal e o conhecimento televisivo da comissão organizadora que define quais atrações vão entrar. Quando uma atração agrada, ela é repetida no ano seguinte. O negócio é encher linguiça, rechear o folder da programação, esgotar a verba, mesmo sem critérios. O importante é ser “nacional”. Não precisa ser reconhecido, basta ser “conhecido”. E aí entra repórter de TV, astronauta, esportista, sexólogo, psicólogo, alpinistas, todos classificados como “escritores”, fazendo do Salão do Livro um evento de entretenimento - e não de cultura, seja ela nacional ou local."
Faço deste parágrafo acima, que reproduzi do artigo de Marcelo Silva, minhas palavras. Ele sintetiza bem o que acontece em relação à programação que todo ano os organizadores nos impõem.
É isso aí. Banalizaram tanto o uso do termo celebridades que até coluna social leva o nobre nome no Tocantins. Uma piada.
Celebridade nos tempos atuais, nas pobres cabecinhas dos pobres mortais atuais, virou sinônimo de famosinhos boçais do mundo artístico.
Os tempos atuais são mesmos outros tempo. Pobres tempos.
Passei pelo 6º Salão do Livro feito copydesk de jornal vencido. Aos trancos e barrancos, falhas muitas (de minhas visitas); falhas muitas (de minhas vistas). Assumi, ostensivamente, ouvidos de mercador no mercado dos livros. Senti-me desajudado, enjoado pelo cheiro da autoajuda que emanava dos discursos, das palestras, das reclamações. Nos shows minhas visitas falharam, mesmo. Já não tenho paciência para enfrentar as enormes filas até o momento de se descobrir que não há mais lugar no recinto, nem para sua pessoa, nem para seu próximo, nem para seu póstero na fila. Minha paciência, deixei-a aguardando meu retorno em uma fila em Sampa. Deve ainda estar lá, no aguardo, já que não voltei.
Por conta das falhas nas visitas ao Salão, deixei de ver amigos, deixei de ouvir poemas, deixei de ouvir as penas. Perdoem-me os amigos, mas a dengue tomou-me pela mão e perdi muito do Salão, de sexta a domingo.
Contudo, vivi boas emoções. Primeiro, com Odir homenageado, e depois, com um fenômeno lindo de poesia que agitou, feito furacão, a calmaria dos meus olhos, do Salão, do meu coração. Uma poeta singular, ainda que de nome composto (Elisa Lucinda), tomou, ou melhor, arrebatou o palco do Café Literário e fez jus a todas as mentes que veem poesia como delírio. Embarcamos todos, os da platéia, no seu vendaval vermelho e negro, abobados, abestados, abilolados no frenesi poético.
Um tanto de Iansã, outra dose (forte!) de Pomba Gira, nas rosas vermelhas dos sapatos, nas franjas da saia a ferrugem com que toureava o distinto público. Aliás, distintíssimo, entre estudantes, professoras, comerciantes, literatos, artistas, secretários, governador e outros tantos que foram se achegando e entregando os pontos, amansados pela indomável palavra, pelo verbo lúcido e forte de Lucinda.
Lucinda nem veio declamar (ela detesta tal palavra!)... Veio para mostrar e nos dar a delícia de seu livro “A Poesia do Encontro” onde despetala em letras prosas a poesia do encontro com Rubem Alves onde, aliás, não faltam poemas e poesia... Mas como hei de passar para essa folha branca a alucinação vermelha da poética aparição? Dá, não. Quem não viveu aquela emoção, morrerá (como de resto, todos os outros, é claro). Mas morrerá faltoso consigo mesmo, em pecado pelo prazer que não se deu.
É isso o que precisamos no Salão do Livro: a sublimidade, o enlevo, o arrebatamento e mesmo a loucura da poesia! O estardalhaço do texto cuspido nas caras de pau de todos os matizes e envergaduras; o artigo esparso da denúncia; a crônica que estranha e estraçalha a politicalha; o ensaio que ensaia o breque na falcatrua malajambrada de compras e vendas a preço vil (nós sabemos, viu?) dos suados escritos nas bandas de cá.
Não nos venham com as soluções didáticas que nada plenificam mas, muito ao contrário, nos cavam vazios enormes, inconcebíveis, impreenchíveis. Risquem de vez das planilhas, peloamordedeus, a autoajuda como tema; tragam-nos literatura! É certo que literatura, de verdade, incomoda, inventa de meter-se por onde não deve, é ferina, mexe, remexe, requebra libidinosa, toca nas partes íntimas, toca naquelas ainda mais íntimas, agita consciências, revolve punhais de frases nas feridas, mas, por Baco! (in vino veritas) é vida!
Por fim perdoe, Drummond, tanto sem sabor na festa dos teus versos.
Osmar Casagrande, poeta
O Salão do Livro precisa mesmo ser repensado. As críticas, por mais irônicas que pareçam, são fundamentadas em fatos.
Em relação à programação do evento, sugiro que seja pensada de modo a contemplar melhor o público. Há muita coincidência de atrações e, em muitos casos, pouco espaço entre um e outro atrativo artístico. Isso dispersa público.
Cito um exemplo: o show de Juraíldes foi atrapalhado e esvaziado por causa da correrria por espaço na fila do show de Fagner. O barulho externo, principalmente do som em teste no auditório, incomodou quem prestigiava Juraíldes e o próprio músico tocantinense.
Creio que o mesmo deve ter acontecido com as demais atrações no Café Literário que antecederam os grandes shows do salão. Isso precisa ser corrigido.
No meu modo de entender, os grandes shows musicais do evento devem se resumir a dois: um na abertura e outro no encerramento, sempre em palcos montados em espaço aberto para contemplar o maior número de pessoas possível.
A.L.M
professora
Interessante ver uma discussão com este foco. Também acho que estão equivocados na concepção do evento. Transformaram o que deveria ser uma festa literária e uma feira de livros em festa popular de grande dimensão. Parabens pela iniciativa do blog.
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